Manifesto
"Eu vou procurar, eu vou procurar,
Vocês não botam uma fé,
Mas, eu vou atrás,
Dá Fórmula Mágica da Paz!"
Sou Chell Oliveira, nasci em Salto, no dia 24 de junho de 1989, sou casado com a Tais e pai do Pedro Davi. Nascido no Cortiço do Cortume, que ficava ao lado da rodoviária, cresci em um lugar habitado por migrantes nordestinos e paranaenses, em sua maioria, e nesse contexto que minha mãe (nordestina) e meu pai (paranaense), se conheceram e casaram. Eu cresci num ambiente de solidariedade, de coletividade, onde as pessoas sempre se ajudavam, e isso me fez ser uma pessoa com esse olhar para o outro.
È do cortiço que trago minhas primeiras memórias sobre o contraste social e a desigualdade escancarada em poucos metros. Naquela época, a gente saia de um ambiente de barracos, precariedades, dificuldades e deparava com o centro da cidade, casas bonitas, carros, farturas, as lojas... Eu lembro de ficar horas sentado na pracinha, olhando para as fachadas das casas e imaginando um dia morar numa casa de tijolo, com sacada, portão e etc.
Sempre fui muito questionador, e esse comportamento me fez se apaixonar logo de cara pelo Movimento Hip Hop, hoje sou militante do Movimento Hip Hop, em atuação desde os anos 2000: passei pela Nação Hip Hop, e já estou há mais de quinze anos com o Coletivo Pátria Nossah, no qual sou um dos membros fundadores. O Hip Hop me levou para lugares que eu nunca imaginaria, me fez pensar e discutir coisas que me fizeram enxergar e buscar entender o mundo e a sociedade.
Foi através do Hip Hop que me aproximei das discussões sobre cultura, territorialidade, segurança pública, planejamento urbano e dos movimentos sociais.
Quando me formei em História, deixei de ser o aluno do fundão para ser professor, a educação para mim é e foi algo transformador. Daí saiu o projeto Biografias Afro-saltenses, em que pesquiso e resgato a memória das pessoas pretas em nossa cidade.
" Milhares de casas amontoadas
Ruas de terra esse é o morro, a minha área me espera
Gritaria na feira (vamos chegando)
Pode crer eu gosto disso mais calor humano
Na periferia a alegria é igual
É quase meio dia a euforia é geral
É lá que moram meus irmãos, meus amigos
E a maioria por aqui se parece comigo "
Foi através dos Racionais MCs que conheci o Rap: "Fim de Semana no Parque" em uma fita K7 que trouxeram da capital para o cortiço, aquilo ali virou febre. Tem uma parte damúsica, que o cantor Netinho fala com o Mano Brown: “como é que é Mano Brown?!”. Isso virou nossa gíria, seja para cumprimentar ou despedir, a gente nem sabia como era o Mano Brown nem Racionais fisicamente, "era todo mundo Mano Brown", foi só depois, através de uma revista da época que descobrimos que eram quatro jovens negros. E essa talvez tenha sido uma das minhas primeiras lições de representatividade.
Posso dizer sem medo que os Racionais representam o instrumento de transformação social mais potente que já existiu na periferia: Pacificaram muitas e muitas quebradas, além de transformar pessoas, eu entre elas, para que pudessem buscar caminhos de canalizarem as suas revoltas.
Quando eu conheço o movimento Hip Hop, a partir dos Racionais MCs, vivi um momento libertador, pois tinha encontrado algo que poderia me ajudar a organizar toda revolta que tinha com as questões sociais e de políticas públicas.
No começo dos anos 2000, com 11 anos de idade, entro para a Nação Hip Hop, ondeparticipo dos Fóruns de Hip Hop, dos ENJUNES (Encontro Nacional da Juventude Negra), seminários e encontros, conhecendo outras lideranças de várias cidades do estado, até que a gente passa a organizar esse movimento aqui em Salto, em 2009, num período difícil para a cena Hip Hop local.
Junto com outras lideranças de Salto, fundamos o Coletivo Pátria Nossah, com princípio fundamental para a virada de chave do hip hop em Salto: Se Organizar e Reivindicar!
A Pátria Nossah buscou se organizar burocraticamente para contrapor aquelas propostas que eram ofertadas de políticas públicas culturais no município, que não chegavam até o hip hop e nas quebradas.
Com a Pátria Nossah fizemos por mais de dez anos o evento Periferia Solidária, o evento Encontro das Cores, fizemos o Cine Quebrada, gravamos Coletâneas com artistas da cidade, fomos o primeiro coletivo de hip hop a ganhar um edital de cultura, fizemos oficinas nos quatro cantos da cidade, fizemos oficinas nas escolas e em salas de aula, e criamos o Sarau Pátria Nossah, que mudou e transformou a vida de diversas pessoas.
"Revolucionário, insano ou marginal
Antigo e moderno, imortal"
Sempre tive o sonho de me tornar professor. Mas a faculdade teve de esperar sua hora, comecei a trabalhar muito cedo para ajudar em casa, com 11 anos de idade eu já trabalhava como chapeiro em uma lanchonete; com 12 entrei numa serralheria; e com 13 já era serralheiro: fazia portão, subia em telhado e fazia tudo. Tenho muito orgulho em ser serralheiro também. Acontece, que por conta do trabalho eu tive que sair da escola no ensino médio, eram muitas demandas que afetaram minha frequência.
Foi só em 2016 que pude voltar a estudar e começar a me preparar para tirar o sonho de ser professor do papel. Me matriculei no EJA, tive grandes e importantes professoresque me fazem hoje, ter um carinho especial pela Educação de Jovens Adultos - uma política que, infelizmente, a Secretaria de Educação de Salto sonha em exterminar. Foi assim que terminei o ensino médio e pude, em 2017, finalmente cursar História na faculdade.
Nesse momento encontrei mais um desafio: trabalhar, estudar, ser pai e esposo. Muitas demandas que precisavam ser equilibradas, mas que me fizeram entender a importância de políticas públicas eficazes para manter o jovem na educação e em condições dignas de trabalho. No meio disso tudo, o meu empregador da época me falou que teria de escolher entre o trabalho e a faculdade, já que viajava tanto quanto antes. Foi nesse momento que resolvi sair do trabalho que estava, e, mesmo inseguro, com filho recém-nascido, aluguel para pagar, pandemia, fui trabalhar por conta. E, me formei em História.
Inclusive, quando vou para a faculdade, passo a estudar aqueles processos que havia vivenciado anteriormente, inclusive a importância dos Rap, Hip Hop e dos Racionais MCs, tanto é, que o tema do meu tcc foi: "Ritmo, Poesia e representatividade: o Rap como inspiração da juventude negra", onde estudei todo o processo social, histórico e político que fizeram o rap e os Racionais, o fenômeno que são hoje.
E todo esse aprendizado, junto a vivência das ruas é o que me formou enquanto pessoa política.
Hoje, tenho anos de atuação em atividades sociais e movimentos populares, seja na educação, na cultura, no esporte ou na política institucional. Com foco sempre nas regiões periféricas. Partindo de um olhar real para as demandas sobre o que as pessoas precisam, e prezando sempre, pelo mais importante, que é ter a confiança das pessoas para dialogar e construir, ter transparência em dizer quais são as nossas lutas e os nossos desafios.
"Salve Salto,
Chegou a nossa vez de ter voz!"
Em 2020 fui responsável por lançar a primeira candidatura de modelo compartilhado em Salto, um modo de fazer política com base na organização coletiva e democrática dentro de um mandato. Fui eleito como suplente do Vereador Cordeiro. E, durante o mandato, ocupei a cadeira por 30 dias, suficiente para propor significativo número de projetos, que resultaram, entre tantos: Na criação do Conselho da Diversidade, na Semana do Hip Hop, e na lei que declarou o Hip Hop Patrimônio Cultural Imaterial da Cidade de Salto.
"Eu vou mandar um salve pra comunidade do outro lado do muro
As grades nunca vão prender nosso pensamento mano"
Chell Oliveira, Salto, 2024.